Discussão

Cinco perguntas: DP ouve Simers e UFPel sobre vagas de Medicina via Pronera

Entrevistas com Diretor do Interior do sindicato médico e reitora da Universidade expõem a divergência sobre proposta, ainda em fase inicial

Foto: Jô Folha - DP - Proposição gerou polêmica

Matéria atualizada às 11h28min para correção de erro de transcrição.

Na semana em que a proposição da abertura de vagas em Medicina para assentados, via Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), gerou polêmica entre a instituição de ensino e entidades médicas, o Diário Popular conversou com a reitora Isabela Andrade, e o diretor do Interior do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Luiz Alberto Grossi, para entender os argumentos de cada lado dessa rixa. Nesta sexta, uma nota assinada por quase 40 entidades médicas condenava a proposta da UFPel. Confira a entrevista na íntegra: 

Diário Popular:Qual o argumento do Simers para a contraposição às vagas da Medicina na UFPel via Pronera?

Luiz Grossi: Em primeiro lugar, tem alguns fatores para nós. Isso aí é uma coisa segregada, que altera todos os critérios para ingresso na faculdade. Normalmente as pessoas que você tem na faculdade de Medicina são pessoas bem estudadas, trabalhadas, que se submetem a uma prova e ingressam. E você abrindo, praticamente ampliando uma nova faculdade, além de superlotar uma faculdade que já não tinha condições de manter os atuais alunos. Há pouco tempo, a Associação dos Egressos de Medicina da UFPel teve que reconstruir um prédio que estava lançado às moscas. Essas pessoas que vêm do campo, vêm não muito qualificadas para fazer Medicina. Então, certamente nós vamos desqualificar a profissão concordando com isso. Isso vai gerar precedentes. Não demora, os índios vão querer também fazer. E todo mundo sabe que nossa dificuldade não é a falta de médicos, é a falta de condições para exercer a Medicina.

DP -  Os órgãos ligados à categoria médica tem falado bastante em controle na abertura de novos cursos de Medicina. Qual o motivo para essa necessidade de controle?

LG - Na verdade não é um controle. Nós temos médicos o suficiente. O que estamos temerosos é que cada vez mais lance-se no mercado médicos desqualificados. Hoje nós temos faculdades de Medicina que nem hospital tem, que nem professores tem. Essas faculdades de Medicina, até da grande Porto Alegre, largam pessoas a ficar dentro dos hospitais de São Leopoldo, Canoas e Esteio e os alunos não têm preceptores. Eles ficam olhando os médicos que trabalham lá dentro. Quer dizer, tem nome de tudo, menos de faculdade. E aí, o que se vê quando faz essas provas, em São Paulo, se não me engano, fizeram essa prova para pessoas formadas em Medicina e 70% rodaram. Então, nós temos a desqualificação dos profissionais. Isso depõe contra nós, e nós, como dirigentes de um sindicato médico, vemos o número de queixas e de mau atendimento médico, que têm uma formação muito ruim. Médicos formados no Brasil. Imagina? Os que vêm de fora são piores ainda! A gente faz aquela prova para eles e, de todos que se inscrevem, passam um ou dois. Então, a gente defende a qualificação dos profissionais. Defendemos que se usem exames de avaliação durante a faculdade. Nossa proposta é que se faça uma prova no segundo, no quarto e no sexto ano. Porque, se a gente consegue mostrar que os caras não têm qualificação, ao invés de ferir os médicos, a gente acaba atacando eles na instituição, que está conseguindo transmitir a aprovação de um médico. Essa é a grande bronca nossa.

DP - O Pronera já atua em outras áreas, tendo turmas de Medicina Veterinária na UFPel, Agronomia em outras universidades… Existe algum caminho que faça as entidades médicas mudarem de opinião acerca do programa?

LG - Eu não sou veterinário, mas os argumentos na época eram que o MST tinha muito gado, muitos animais, e precisava de veterinário. E agora está distorcido. Os caras têm plantações e a Veterinária está muito mal. E isso abriu uma brecha que eles querem levar até à Medicina. Eu acho que as entidades vão se enfileirar nacionalmente. Não tem verbas para as universidades federais. Se você entrar no Campus da UFPel vai ver o que estou falando. Quem entra na faculdade de Medicina, o prédio que é mantido pelo governo tem um estado, o que foi reconstruído pelos egressos está uma coisa maravilhosa. E agora, em cima disso, a reitoria, de uma maneira oportunista, que é uma reitoria extremamente de esquerda, e é um horror o que esses caras fazem, querem ser pioneiros nessa história, e aproveitar o prédio que nós construímos. Eu acho até que é uma coisa oportunista. Porque não propuseram isso antes de ter reconstruído o prédio da faculdade de Medicina? Não tem sentido. Mais uma vez, não precisamos de médicos. Precisamos de condições de trabalho. Talvez, a reitora da UFPel, não sei qual é a formação dela, mas certamente não é da área da saúde, ela tem que entender que Medicina não se faz com estetoscópio, se faz com equipamentos, com exames laboratoriais, enfim. Deêm condições de trabalho e colocaremos médicos em qualquer lugar.

DP - O Simers enxerga motivação política nessa abertura de vagas via Pronera?

LG - Sem dúvidas. Por que vaga para o MST? Para que para esse grupo aí que nada acrescenta no País? Então, acho que nem para eles, nem para outros. Nós temos que ser justos com aqueles que lutaram para ingressar na Medicina. É um tratamento desigual isso aí. E desqualificado, ao meu ver. E é uma coisa da esquerda, né? Sempre fizeram isso e não vai ser diferente. O que mais me deixa magoado é que eu sou egresso da UFPel. Eu estudei lá. Era uma faculdade extraordinária. Ela hoje ocupa, a Medicina, a terceira melhor faculdade do Rio Grande do Sul, e vem sofrendo interferência da reitoria para desqualificar a faculdade? É um absurdo. 

DP - Hoje, como o Simers avalia a qualidade dos cursos de Medicina presentes em Pelotas?

LG - Pelotas ocupa um lugar de destaque. Excelentes. Tanto a Católica, quanto a UFPel, elas muitas vezes estão à frente da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Porto Alegre. A UFPel é a terceira em qualificação médica. E uma coisa que me preocupou é que a diretora da Faculdade de Medicina (Julieta Fripp) reuniu os Centros de Disciplinas e botaram na mesa, os seis ou sete chefes de disciplina foram contrários a essa abertura de novas vagas para o MST. 

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Diário Popular - De onde partiu a ideia da UFPel para as vagas à Medicina através do Pronera?

Isabela Andrade - Essa iniciativa é uma resposta da UFPel às preocupações sociais relacionadas à saúde e ao acesso a cuidados médicos adequados nas áreas rurais e entre as comunidades agrárias. Seu propósito é fomentar a inclusão social e garantir o acesso à formação médica para pessoas que enfrentam grandes desafios socioeconômicos e historicamente foram marginalizadas do sistema tradicional de educação superior pública. Ao decidir implementar turmas especiais em Medicina para esse público, a UFPel, como instituição pública de ensino, desempenha um papel importante no desenvolvimento e na promoção de políticas que buscam a igualdade de oportunidades. Identificamos nessa iniciativa um instrumento para diminuir as disparidades no acesso à educação e na representação de profissionais de saúde em regiões rurais, onde geralmente há escassez de médicos. Ao criar mecanismos de formação acadêmica aos membros de famílias de assentados da reforma agrária para se tornarem médicos, a instituição pública está contribuindo para a construção de um sistema de saúde mais inclusivo, equitativo e sensível às necessidades das populações rurais e agrárias. Tenho, em diversos espaços, reiterado que é importante ressaltar que essa iniciativa representa um instrumento de emancipação. Ao contrário do que se costuma questionar em relação a iniciativas do poder público de apoio a grupos sociais considerados vulneráveis, ela não se caracteriza como uma ação exclusivamente assistencialista. Pelo contrário, seu objetivo é oferecer a possibilidade de emancipação individual com um comprometimento social.

DP - Como a universidade avalia a experiência prévia, com Medicina Veterinária, e o que daria para levar de aprendizado a partir disso para outros cursos?

IA - Sobre esse tema minhas manifestações têm se tornado quase como um jargão. A experiência com as Turmas Especiais de Medicina Veterinária reforça nosso sentimento de que todo o esforço para tornar concreta essa iniciativa será recompensado. O rendimento acadêmico e o grau de comprometimento das alunas e alunos destas turmas é algo que encanta e motiva. São alunos dedicados, aplicados e conscientes de seu papel. Que ao concluírem a graduação estão comprometidos com a sociedade que viabilizou sua formação e a ela retornam e com ela contribuem. A já longa jornada percorrida nas cinco turmas especiais tem nos trazido ensinamentos de como conduzir uma iniciativa como essa. Vale ainda lembrar que é compromisso do atual governo federal ampliar iniciativas como essa, fortalecendo os programas já em andamento e criando novos. No início, como tudo que é inovador e progressista, também houve embates em diversos espaços. Mas a experiência tem demonstrado que a escolha foi correta. Recentemente passamos por uma avaliação do MEC e as turmas especiais de Medicina Veterinária obtiveram a nota 5, ou seja, obtivemos a nota máxima. Reforço, fomos nota máxima. Para aquela minoria da sociedade que costuma fazer julgamentos desprovidos de qualquer base real ou, ainda, premidos por preconceitos menores, este recente resultado é uma demonstração de que as oportunidades devem ser dadas a todas as pessoas.

DP - Quais as etapas que deveriam ser percorridas para a criação destas vagas?

IA - Sem dúvida é um caminho a ser trilhado com segurança. No aspecto da formalidade, há que ser construído um detalhado Projeto Pedagógico para o curso, ser aprovado nas diversas instâncias da universidade, dentre outras providências. Contudo, tão importante quanto isso é darmos os passos necessários para a constante qualificação dos espaços do nosso curso de medicina. Fazer levantamento de necessidades de infraestrutura, de recursos humanos, pedagógicos, equipamentos, etc. A UFPel tem uma longa história vinculada à Faculdade de Medicina, reconhecida por sua notória excelência.  A construção corajosa desta iniciativa, por óbvio, se pautará pelo mesmo desejo e pela mesma responsabilidade. Devemos agregar excelência acadêmica com compromisso social de uma universidade pública que é custeada pela população brasileira. Esta iniciativa certamente se somará na concretização de nosso Hospital Escola próprio.

DP - Como a Universidade encara a contraposição de diferentes órgãos da categoria médica para essa abertura de vagas?

IA - Tenho integral respeito aos diversos órgãos da categoria médica, contudo, não consigo identificar nenhuma plausibilidade na equivocada percepção manifestada em documentos que vêm sendo compartilhados. É do conhecimento geral e consolidado, inclusive no âmbito de nossa Corte Constitucional, que as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, nos termos do art. 207 da CF/88. Significa dizer que tem a universidade a possibilidade, segundo seu juízo de conveniência e oportunidade, de definir as medidas que entenda por adequadas para a definição de sua organização interna e regramento. Especialmente para construir mecanismos de inclusão e desenvolver iniciativas voltadas aos diversos públicos de nossa sociedade. O discurso de que iniciativas como essa são instrumentos para a “segregação de cidadãos em grupos” vai na contramão da história. Já vivemos em uma sociedade segregada em grupos. Alguns grupos que se beneficiam da atual estrutura e outras que sofrem com esta estrutura. O que se impõe às universidades públicas é escolher o lado no qual desejam ficar e trabalhar. Se deseja trabalhar pela emancipação dos trabalhadores e mais humildes, ou se deseja apenas manter-se servil às elites econômicas e culturais.

DP - Um dos argumentos usados pelas entidades contrárias é que a abertura dessas vagas teria motivação política. Como a UFPel encara essa acusação?

I.A. - Eu diria que todo ato que a gente exerce, que a gente efetua, é um ato político. O que não tem relação com político-partidário. Sendo um ato político, a gente manifesta, através dos nossos atos, os reais interesses que temos enquanto uma instituição pública de ensino superior, que, ao meu ver, é levar educação à maior parte das pessoas, quiçá a todas as pessoas. Nos diferentes espaços, aquelas que estão mais próximas, que estão mais distantes, que têm mais facilidade, que têm mais dificuldade. Porque, dessa forma, a gente consegue equiparar as condições para a busca de oportunidades.


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